Uma fraternidade espírita que atravessa muitos anos e abraça a Lousã a Toronto.

O escudo da Vila da Lousã, em Portugal e a bandeira da cidade de Toronto, no Canadá

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No recanto reservado às memórias tem lugar hoje uma evocação de mais de sessenta anos de fraternidade natural que, com o tempo, também se transformou em fraternidade espírita, neste caso com base num intercâmbio entre a magnífica cidade de Toronto, nas margens do Lago Ontário e a pequena mas nobre Vila da Lousã, em Portugal, à beira da Serra do mesmo nome.

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O Alfredo José e o seu primo direito José Sebastião, algures perto do mar, em Portugal, no ano de 1950

As duas insignes figuras que acima estão retratadas, cavalgando nas asas do sonho em cima dos guarda-lamas de um notabilíssimo Ford Prefect de aprazível memória, chamam-se Alfredo José e José Sebastião.

Somos filhos de irmãs pelo lado materno e netos de irmãs pelo lado paterno, portanto algo mais do que simples primos direitos. Ambos envergamos “calças à golf”, como o famoso Tin-Tin das bandas desenhadas, o Alfredo José é menos que três anos mais novo e tem o cabelo castanho claro. O do lado direito sou eu, José Sebastião, nessa altura com o cabelo totalmente negro, tendo ambos herdado o privilégio de olhos claros da nossa querida avó materna.

O carro está estacionado algures, perto da costa ocidental atlântica de Portugal, muito perto do mar e de Leiria, cidade onde habitávamos.

Passados 68 anos (!…) vive o primeiro em Toronto, no Canadá e eu na Lousã, em Portugal.

Somos ambos espíritas pelo facto de as nossas avós serem membros activos do Centro Espírita de Leiria desde os anos vinte do século passado, até à altura da proibição do espiritismo em Portugal.
Por curiosa coincidência ambos fomos registando ao longo da vida uma certa sensibilidade mediúnica, a minha mais intensa em plena infância e a do meu primo Alfredo mais evidente ao longo da sua idade adulta.

Assimilámos muito cedo a dignificadíssima e muito respeitável cultura espírita reinante na família dos nossos pais e avós paternas, sob as vicissitudes de um regime autocrático – quer política quer religiosamente, tendo vindo agora a dar-lhe o lugar mais adequado nas nossas próprias vivências de todos os dias e no respectivo desenvolvimento cultural.

Eu investigo e escrevo na Lousã, de forma voluntária e independente como sempre, e o meu primo é um elemento activo do Centro Espírita “Rest on the Way” em Toronto.

Além das variadíssimas e longas trocas de impressões que mantenho com o Alfredo José, já tive o grato prazer, e o muito proveito, de recolher ensinamentos do muito conhecido director do Centro Espírita  “Rest on the Way” em Toronto, Sobek de Alcântara Rebêllo, brasileiro de Manaus, que fez o favor de me dar preciosos ensinamentos de que me encontrei carente há algum tempo.

Exibe-se aqui a imagem que ele próprio compôs para figurar na apresentação do seu blogue e que, com os adereços que estão em evidência (chapéu, cachimbo, camisa negra, gato – o “Nemo” – e hieróglifos egípcios) são todo um reflexo do seu carácter multifacetado de homem com elevados dotes espirituais, culto e imaginativo.

Enumerar o conjunto de ensinamentos que tenho colhido nas conversas com o meu primo, dava pano para largas mangas, e ficará para outra altura.

Com a facilidade de recursos que nos oferece a Internet, temos quase diariamente longas conversas a respeito de assuntos familiares e também a respeito de abundantes temas respeitantes ao espiritualismo científico, com objectivos morais. Encerra esta notícia um importante comentário do meu primo Alfredo José Brites a uma notícia que publiquei num post actualmente desactualizado e fora de publicação.

Pelo genuíno fervor espírita e pelo teor de abrangência quanto ao desenvolvimento da nossa doutrina, não é publicado como comentário mas sim como um autêntico “post”.

Caro Zé:

O número de visitas que o teu blogue tem, indica que os ensinamentos que estás a transmitir são importantes não só para a comunidade em geral, mas também para a comunidade espirita. É necessário o estudo para que possamos dar uma colaboração à espiritualidade e deixarmos de ser guiados por outros. A semente do espiritismo foi lançada em França nos meados do séc. XIX. Devido aos conflitos mundiais e a outros factores, a espiritualidade procurou áreas menos problemáticas, nomeadamente na América Latina, para dar a continuação aos ensinamentos que o Mestre Jesus nos transmitiu há 2000 anos.

De então para cá temos deixado nos controlar pelas ideias que vieram da pátria do espiritismo – a França, deixando de dar colaboração eficaz à colónia “Campo Luz Divina” e outras comunidades espirituais europeias através da mediunidade edificante.

Está na altura de darmos mais atenção ao trabalho edificante da mediunidade para ajudar os nossos irmãos desencarnados que habitam nas zonas umbralinas.

Só com o estudo, dedicação e perseverança é que podemos reactivar aquilo que deixámos um pouco de lado, e começar a cavar a vinha para depressa colher os frutos bons. É preciso procurar a nossa identidade quer filosófica quer científica sem no entanto nos desviarmos dos ensinamentos que o mestre Lionês nos proporcionou. Chega de nos deixarmos levar pelas ondas que vêm do hemisfério Sul e criarmos os nossos próprios rumos.
Cada sociedade tem uma definição própria e temos que recriar a nossa sem estarmos à espera que outros o façam por nós.

Aqui nas terras de Corte Real apesar de estarmos na infância temos vindo a criar as nossas próprias identidades. Há 12 anos começámos na criação e no trabalho, com a fundação do “Rest on The Way Spiritist Centre” por Sobek de Alcântara Rebêllo e Regina Yamagusi começando com o Evangelho no Lar, e com o rolar dos tempos criamos um site e um página no facebook.

Há 12 anos começámos na criação e no trabalho.
Nós continuámos a dar o nosso contributo sem nos lamentarmos e sem entrar em discussões escusadas.

Hoje o nosso pequenos grupo dá colaboração à espiritualidade para o bem dos nossos irmãos ainda nas esferas inferiores. 
Temos agregado à nossa humilde casa, Centro Espirita Repouso no Caminho (“Rest on the way”), um posto socorro na espiritualidade, com infraestruturas já de algumas dimensões tendo presentemente 30 médicos, equipas de enfermeiros, irmãs de caridade e outros membros caravaneiros do bem. Uma larga comunidade espiritual, em suma, para ajudar todos os que recorrem a nós.

Faça-se o mesmo em Portugal onde a necessidade é premente.

A espiritualidade da Europa teve que recorrer a médiuns psicógrafos do continente sul-americano para nos trazer a continuação dos estudos que o mestre Lionês começou no séc. XIX. Pela nossa parte começámos a levantarmo-nos para dar resposta às necessidades dos nossos irmãos que se querem comunicar connosco transmitindo ensinamentos que nos levam ao conforto pela reforma intima. Começamos a preparar-nos para dar continuidade àquilo que foi nos princípios do século XX o auxílio e colaboração à espiritualidade, para podermos evoluir mais.

ORAI E VIGIAI, disse o Mestre Jesus; estudemos os seus ensinamentos para nos prepararmos e para dar entrada a um MUNDO DE REGENERAÇÃO que nos está sendo preparado, ajudando os nossos irmãos mais atrasados a chegar mais à frente.

Para terminar cito um parágrafo de Roberto Vilmar Quaresma do artigo “Ninguém vem ao Pai senão por mim”, publicado na “Revista Internacional de Espiritismo”:
“Para sentirmos Jesus é preciso aproximação da moralidade, da ética; para sentirmos Jesus não bastam sentimentos superficiais, é preciso transcender, seja: usarmos a intelectualidade interiorizada e elevá-la aos parâmetros do bem, pois só a partir daí começamos a penetrar as verdades maiores, disponibilizadas pelo Mestre dos mestres”.

E só com o estudo das leis divinas é que poderemos chegar a bom porto. Coragem e dedicação! Continua no teu caminho José Sebastião, sem dares atenção a “Velhos do Restelo” que possam espreitar daqui e dali.

Um grande abraço fraterno deste que habita nas paragens dos Corte Reais

Alfredo José

O meu primo Alfredo José na actualidade

Espiritismo na literatura

“…no meio em que vivo tem-se a intuição de tudo e são-nos familiares as várias línguas que falaram as raças humanas, antes e depois da dispersão de Babel. As palavras são a sombra da ideia e nós possuímos a ideia mesma no seu estado essencial…”
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 ( Teófilo Gautier. Espírita. Valencia : Pascual Aguilar, c. 1880, p. 99)
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William Blake (1757-1827) Cristo como Redentor do Homem/aguarela 1808

A representação do mundo dos espíritos ao longo da história da cultura sempre existiu, tanto na literatura como nas artes plásticas, dado que a mediunidade sempre acompanhou o homem em todas as épocas. Escritores inspirados como Dante Alighieri (Divina Commedia), Daniel Defoe (The Serious Reflections during the life and surprising adventures of Robinson Crusoe, with his vision of the angelick world, 1720) ou os poemas de William Blake, são apenas uma amostra.

Robinson Crusoe (Daniel Defoe)

No entanto a influência do Espiritismo, como ciência, filosofia e moral é palpável desde que em 1857 apareceu a primeira edição do Livro dos Espíritos, obra acerca da imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e as suas relações com os homens, as leis morais, recebida dos espíritos superiores e codificada por Allan Kardec (1854 – 1869).
Anos mais tarde, formando parte da Revue Spirite de Agosto de 1869 foi editado um opúsculo denominado “Catalogue raisonné des ouvrages pouvant servir à fonder une bibliothèque spirite” (Catálogo Racional das Obras para se Fundar uma Biblioteca Espírita) obra póstuma de Kardec que revela o seu importante empenho pedagógico e que caracteriza de novo o livro como veículo essencial de formação do indivíduo, para o seu progresso intelectual e moral.
Neste catálogo bibliográfico Allan Kardec propunha uma série de títulos que deveriam estar presentes nas bibliotecas de todos os centros de estudo da doutrina espírita. Esse documento assinala obras importantes em diversas áreas culturais e científicas produzidas à data dos inícios da divulgação do espiritismo.
Entre elas encontramos obras de Honoré de Balzac (Seraphitus Seraphita y Ursue Mirouet, herdeiras do conhecimento de Swedenborg), Charles Dickens (Crishtmas Carol), Alexandre Dumas (Madame de Chamblay), Armand Durantin (La legende de l’homme éternel, 1863), Theophile Gautier (Avatar 1857, e sobretudo a sua última novela, Spirite, 1866, que narra uma história de amor no Além), George Sand (Consuelo, La comtesse de Rudolstadt , Spiridion, Mademoiselle de la Quintine, etc.).

Como é lógico, neste repertório bibliográfico predomina a literatura francesa desses tempos já recuados do início do espiritismo, muito embora ele se tenha difundido muito rapidamente por toda a Europa, a seguir pelas Américas, através de Portugal e da Espanha.

Victor Hugo 1878 – fotografia de Nadar

Os artistas que declararam posteriormente aderir ao espiritismo também devem ser considerados, tais como Victor Hugo, em França e Sir Arthur Conan Doyle em Inglaterra.
Também encontramos referências de interesse nas obras de León Tolstoi e em conferências e artigos de Valle-Inclán, nas “Rimas y Leyendas” de Gustavo Adolfo Bécquer e na poesia de Amalia Domingo Soler, Salvador Sellés y Màrius Torres em Espanha, só para dar alguns exemplos.
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Em Inglaterra a literatura relacionada com os espíritos é abundante.
No tempo da Rainha Victória era costume passar o serão da Noite de Natal sentados ao lume ouvindo histórias tradicionais sobre espíritos e revelações das almas.
Charles Dickens (1812 – 1870) foi o autor mais popular do seu tempo com novelas inolvidáveis pertencentes ao realismo social, com realce para os seus famosos contos de Natal. Surpreendem nessas histórias a fluência e a naturalidade com que se fala dos espíritos, como na conhecida A Crishtmas Carol (Um Cântico de Natal), onde aparecem os espíritos do passado, do presente e do futuro, para darem uma lição de ética do comportamento em sentimentos fraternos e universais.
No entanto Dickens mantinha uma posição ambivalente e até contrária em obras como “A Casa Assombrada”, ficando claro que, tanto em Dickens como noutros autores, a inspiração é dominante em relação à própria opinião do autor.
Do máximo interesse é o caso do seu último romance “O mistério de Edwin Drood” que devia ser publicado em 12 fascículos mensais. Dickens faleceu em 1871, antes de ter a possibilidade de acabar a obra.
Um ano mais tarde o jovem tipógrafo norte-americano Thomas P. James, médium principiante, psicografou a continuação do romance, com o estilo inconfundível de Dickens, o que foi confirmado por numerosos críticos literários.
Outro autor inglês a destacar é Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), criador do celebérrimo Sherlock Holmes, homem de elevada capacidade intelectual e que foi, além do mais, presidente do Instituto Britânico de Ciência Psíquica e presidente da Associação espírita de Londres.
Pese muito embora o facto de que muitas biografias ignoram essa faceta da sua personalidade, foi o autor da “História do Espiritismo” (1926), um trabalho que recolhe textos a respeito de Swedenborg, Irving, Davis, o caso de Hydesville, as irmãs Fox, sir William Crookes etc.
No prefácio dessa importante obra de referência histórica, afirma que “…o espiritismo é, para muitos de nós, o mais importante movimento da história do mundo desde a passagem de Jesus Cristo sobre a terra…”, posto que na base do mesmo se encontra a moral de comportamento transmitida por ele há dois milénios.
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Na Rússia, encontramos na obra de Leon Tolstoi (1828 – 1910) referências a sessões mediúnicas como divertimento para as classes cultas, em Anna Karenina e Ressurreição.
Parece que Tolstoi não chegou a conhecer de facto a profunda mensagem da espiritualidade que encerram as obras de Allan Kardec. Limitou-se a observar o fenómeno das mesas girantes, divulgado no século XIX simplesmenta para chamar a atenção da existência da acção dos espíritos.

No conjunto, porém, encontra-se em Tolstoi um profundo misticismo e a assimilação da mensagem do amor incondicional de Jesus de Nazaré.

Amalia Domingo Soler (1835-1910), que disse: “os mortos são invisíveis , mas não ausentes”

Em Espanha a corrente espiritualista dá-se a conhecer na maior parte das lendas de Gustavo Adolfo Bécquer, onde o mundo invisível tem lugar de destaque, bem como nos escritos de Valle-Inclán.
Na poesia é onde encontramos os melhores exemplos de literatura claramente espírita. Além de “Ramos de Violetas y Cuentos Espiritistas” de Amalia Domingo Soler, a grande Senhora do Espiritismo Espanhol, destacamos o caso dos poetas: Màrius Torres, médico e poeta republicano, neto e filho de espíritas, que morreu prematuramente em 1942, e Salvador Sellés, o poeta alicantino que escreveu:
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“…O homem não vive somente na Terra. As suas ideias, os seus sentimentos, perdem-se como a essência das flores, no Céu. A verdade da existência de um Deus infinito, eterno, encontra-a o homem de igual maneira nas maravilhas de sua alma como nas maravilhas da natureza…”

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Este artigo foi traduzido do nº 1 da Revista Espírita da Federación Espírita Española, de Julho de 2011.
É da autoria de Lola Garcia, Historiadora de Arte e bibliotecária, membro da Asociación Espírita de Valencia Hogar Fraterno.

(Ilustrações: de minha responsabilidade)
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